180 minutos num dia "é um exagero"
A aula de Português deveria ser substituída por Ciências Naturais, mas a palavra foi dada aos alunos e transformou-se num debate sobre as aulas de substituição. A ideia de que poderiam estar no recreio a aproveitar o bom tempo em vez de fechados, mais uma vez, com um professor desconhecido deixava destroçados os alunos de uma turma do 9.º ano da Escola Secundária de Ermesinde. "Não gosto das aulas de substituição. Gosto mais de jogar à bola. É mais estimulante", reclamava o Fábio. "Só hoje vamos ter dois blocos de 90 minutos de substituições. É um exagero", queixava-se o Tiago.
Desde o início do ano, a turma vai já na sua 15.ª aula de substituição, muitas correspondentes a blocos de 90 minutos. A maioria das quais passadas "sem fazer nada de interessante", diz a Joana. "Se em cada aula fizéssemos sudoku, a esta hora já estávamos especialistas", responde o Francisco, e arranca gargalhada geral. "Só numa aula fiz quatro páginas de palavras cruzadas", intervém a Márcia.
A Rita confessa que a má vontade também parte dos alunos, porque "quando os professores perguntam se há trabalhos de casa para fazer dizemos que não e depois ficamos aqui sem fazer nada!". O Pedro coloca o dedo na ferida "Não são professores da disciplina e nem sequer conhecem a turma. Nós não estamos motivados para estar aqui, mas eles também não."
Para a professora Antonieta Monteiro, as aulas de substituição são benéficas desde que "efectivamente preparadas". "Primeiro há que auscultar quais as necessidades da turma. E ter algo já preparado em carteira."
Numa posição algo inovadora no seio da profissão, defende que tudo se resume à necessidade de "conquistar os alunos" para esta nova realidade. Quanto aos professores, diz, "nós não precisamos de ser motivados para as aulas de substituição, fazem parte do nosso horário e não temos de ser pagos por isso. São é medidas incómodas para muita gente". Dos vários projectos em que está envolvida, em parceria com outros docentes, destaca o desenvol-vimento de uma horta pedagógica.
Com uma população escolar de 216 professores e 2400 alunos para gerir, Álvaro Pereira, presidente do Conselho Executivo, considera que as alterações do Governo pecaram por terem sido decretadas "muito tardiamente", deixando "as escolas sem tempo para organizar as actividades de substituição". Isto já para não falar do facto de os professores terem de permanecer bastante mais tempo na escola quando esta "não tem espaço disponível para que eles desenvolvam os seus projectos".
Na Escola Secundária de Ermesinde ficou estabelecido que, com a componente não lectiva, os do-centes permanecerão, no total, entre 24 a 26 horas semanais no estabelecimento de ensino, sendo que todos têm um ou dois blocos semanais de 90 minutos de actividades de substituição. Ou seja, diariamente há seis a oito docentes disponíveis em cada tempo na sala dos professores a aguardar que sejam chamados, de acordo com uma escala. Distribuem-se, ainda, pelas salas de Estudo, de Recurso e de Matemática, espaços exíguos onde os alunos podem recorrer ao apoio de professores.
Orquídea, professora de História há mais de 30 anos, manifesta-se contra as alterações. "Apa- nhei todas as mudanças desde 1973, mas esta é a mais dramática de todas. O Governo recusa-se a reconhecer o trabalho realiza- do fora da escola... então ponham-me aqui durante as 35 horas semanais mas dêem-me condições para realizar as minhas tarefas", protesta.